Mergulho em Apnéia

sábado, 24 de julho de 2010

A adorável má companhia.

por Calcanhar de Aquiles

A adorável má companhia é o maior achado e a melhor perdição. Combinando informalidade e descontração ela está fora do lugar comum. Encontra-se além da semântica no espaço que não há tradução. Que sintaxe!
Mesmo que já tenha sido vista e revista tantas vezes, a adorável má companhia traz sempre o novo. Talvez seu encantamento e grandeza esteja na novidade antenada que, irresistivelmente, a sua presença promove. Que abordagem!
Perde-se a noção de tempo quando chega. Ela amarrota o passado, desdobra e passa logo o presente a limpo. Sua sinceridade e delicadeza envergonham. Sua espontaneidade e graça entusiasmam. Escapa o eixo da gravidade e provoca. Desconcerta as convenções e desafia. Que pique!
A adorável má companhia é danada: perto dela conta-se de uma vez tudo e não se esconde nada. Quando parece que tudo foi dito, vem ela e diz que ainda não tinha nem começado. Dispensando rodeios, ela vai direto ao ponto. Que pontaria!
É praticamente uma garimpeira que, com uma peneira na mão, esmera-se na delicada e precisa distinção entre o valor e o cascalho. “Sempre alerta” parece exemplar escoteira. É uma confiável vidente: sabe o que se passa por dentro com um olhar. Em instantes, capta todos os medos e não conta. Que visão!
Ganha o dia com amenidades e conduz a vida como a dama. Mete o pé na porta e invade o instante que acontece. Quando não junta duas letras já faz um verso inteiro. Ela não cisma, encasqueta. Ainda nas segundas, ela já se adianta e está nas terceiras. Na sua prece clama por aqueles que não sabem se divertir. Que filosofia!
Acerta as contas da vida à vista. Seu equilíbrio desequilibra. Sua presença exige fotografia. Sua pluralidade acorda o particular. Sua franqueza adormece a etiqueta. Está mais para montanha-russa que para carrossel. Prefere a roda gigante que o trem fantasma. Que aventura!
Sua estrutura simples é muito complexa. É frágil metida à forte. Se objetiva e prática passa batida por valente e brava. É mais humana que apenas gingante. Tão iluminada, fica sujeita a uma classificação precipitada. É tão racional quanto arrebatadora. Que formas!
É o próprio convite para a grande festa. Merece aplausos a sua atuação. Seu jeito vira marca. Desconcentra a sua atenção. Vive a postos, sempre pronta. Flexiona com fundamento. Nela tudo fala. Sua batalha tem um quê de sobrevivente. Dá gosto o seu abraço e seu sorriso tem história. Que layout!
Tive a feliz coincidência de encontrar, nessa vida, adoráveis más companhias. Diante de todas, fiz a exposição do inconfessável, com a absoluta certeza, que em nenhum tempo ou lugar, isso seria desperdiçado como cifras. Com outras combinamos que ficaríamos velhinhos todos juntos. Uma escreveu meu nome nas areias de Itapuã. Que poesia!
Duas olharam o céu comigo e o que menos importava, naquele instante, era o frio no monumento forrado pelo jornal. Há aquela que disse que seria janeiro, mas já se passaram muitos verões. Outra foi de cara reconhecida com “um boa tarde”. Que temperatura!
Uma ensina que o comedido é vizinho do despojado, basta um bom motivo. Reencontrei uma que, enquanto eu estava cheio de mala pesada, ela carregava dor. A gargalhada inigualável de outra sou capaz de ouvir no recado virtual. Que tecnologia!
Sempre que a adorável má companhia sorri parece que encontro o sol. Um dia comum vira feriado nacional na sua presença. “Flores” e “Paz” nos registros de umas não são à toa. Cheguei a combinar com outra que, na próxima, vamos descansar porque essa aqui está uma canseira daquela. Todas, sem saber, me fizeram crescer, pelo menos, uns dez metros. Que altura!
De um jeito ou de outro, esse texto apenas tenta visitar minhas adoráveis más companhias. O mais certo e impressionante disso tudo é que só uma adorável má companhia entende tão bem uma outra. Que confraria!

Procuram-se amigos

Ricardo Gondim

Quando eu era menino, mamãe me aconselhava a tomar cuidado com os meus amigos. repetia sempre o surrado provérbio: “Dize-me com quem andas e te direi quem és”. Passados vários anos, não consigo avaliar se consegui obedecê-los. Sinto, porém, que preciso achar novos amigos.

Cheguei à meia idade bem decepcionado com a palavra Amizade. Esfolei os joelhos nos desdéns, aprofundei as ranhuras da cara com decepções e perdi tufos de cabelo com traições. Mas mesmo assim, reluto; não posso tornar-me cético, sei que devo manter-me próximo de amigos verdadeiros - Isso não é fácil!

Entretanto, mesmo com profundas decepções, insisto em garimpar amigos.

Quero ser amigo de quem valoriza a lealdade.

Preciso acreditar em amizades que não se intimidam com censuras, que não retrocedem diante do perigo e que não abandonam na hora do apedrejamento.
AMIGOS NÃO DESERTAM.

Quero ser amigo de quem eu não deva me proteger, mas que também não se sinta acuado e com medo de mim. Não creio em companheirismo lotado de suspeita. Grandes amigos são vulneráveis; conversam sem cautela; sentem-se livres para rasgar a alma e sabem que confidências e segredos nunca serão jogados no ventilador da indiscrição.

Quero ser amigo de quem não se melindra com facilidade. Eu me conheço, sei que piso em calos. Agrido com meus silêncios. Uso a introspecção para tecer comentários ácidos e impensados. Às vezes quanto mais tento, mais me mostro tosco. Vou precisar de amigos que tolerem as minhas heresias, hesitações e pecados. Dependo de que suportem o baque de minhas inadequações, e que sejam teimosos em me querer bem.
...


Amizades superficiais são mais danosas do que inimizades explícitas.


Quero ser amigo de quem não tem necessidade de parecer certinho. Não tolero conviver com quem nunca tropeça nos próprios cadarços ou que jamais admitiu ter sonhos eróticos. Vez por outra preciso relaxar, rir do passado, sonhar maluquices para o futuro e conversar trivialidades.

Necessito de amigos que se deliciam em ouvir a mesma música duas vezes para perceber as sutilezas da poesia. Como é bom encontrar um velho camarada e comentar aquele filme que a gente acabou de assistir. Adoro partilhar pedaços do último livro que li. Vale contar com amigos que numa mesma conversa, elogiam ou espinafram políticos, pastores, atores, árbitros de futebol. Não existe preço para riso ou lágrima que vem da poesia.

Quero terminar os dias e poder afirmar que, mesmo desacreditado das ideologias, dos sistemas econômicos e das instituições religiosas, jamais negligenciei a minha melhor fortuna: meus bons e velhos amigos. Contudo, ainda desejo encontrar mais amigos.


Soli Deo Gloria.
20-07-10